quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Meus primeiros anos de 2010

O ano letivo finalmente terminou. No último dia de aula, eu prometi aos queridos pestinhas do 1º ano do Decisão que iria escrever uma postagem aqui para eles em homenagem. Isso porque eu não serei professora deles ano que vem.
Nunca tive um aluno que dissesse gostar de Português, eu digo a matéria, porque se for português que veio de Portugal, moreno, alto, bonito e sensual, todas as meninas vão dizer que amam português desde pequenininhas. Não é desse português que eu falo, com letra minúscula, mas do Português matéria, com letra maiúscula. A gente tenta tirar o bloqueio, falar mais de língua ao invés da gramática, não que esta não seja importante, mas aquela é tão esquecida.
O início do ano é sempre um desafio, não tem como não ficar nervosa, ansiosa com o que virá. O novo sempre nos deixa nessa tensão. Esse ano não foi diferente. Iniciamos bem, eles com cara de criança ainda, cheios de Justin Bieber na cabeça, Restart etc. No decorrer do ano, pude ver alguns amadurecerem, falarem de coisas mais sérias, aumentarem de tamanho, namorarem, continuarem falando besteiras, rirem, chorarem e até ficarem de luto verdadeiro.
Todos os anos é uma gestação. Gestação dos filhos dos outros, que eu faço e que em dezembro se acaba e eles vão embora, já que a próxima fornada estará vindo no ano que vem.
Tem sempre lugar para gente nova que entra, essa gente chata, que reclama de tudo, faz barulho, joga bola de papel, elogia, se desespera com o vestibular (ou não) e tudo mais. Perdoem-me os que não aparecem nesta postagem, vocês não foram menos importantes, lembrarei de cada um, mesmo que eu não saiba o nome. Mas as figurinhas dos meus primeiros anos eu não esqueço mais:

Pedro inventou um novo tipo de oração subordinada "oração subordinada satanista do inferno reduzida do abismo do buraco negro !". Dessa eu ri demais. Veja como ele A-DO-RA o assunto, mas gosta tanto que decorou até a ordem das classes gramaticais e colocou certinho intuitivamente, ou seja, sabe usar a língua portuguesa.
Rafaella (com 2 LL), que virou minha filha por uns tempos, depois virou homem de lata, virou Gribalda, virou braba, virou risonha, me deu uma caixa de sabonete e um cartão de Dia das mães...
As "DE BRANCO": Ana Fragoso, Jéssica, Maria Carolina, Islayne, Mariana Carla, Gabriela Lopes, Camila Santiago, que foram filmar O Mágico de Oz, foram tão mordidas de muriçoca quanto eu e me deram o prêmio de Melhor Propaganda da ExpoArte 2010... Robert, que foi o leão; Nayara, que foi Dorothy... Obrigada, gente.

Não me esquecerei também daqueles meninos que sentavam atrás: Henrique, Arthur, Alex, Ricardo, Rebert, Rafael, Mateus Mendes... e das meninas MAGDALAAAAA, Alana, Elisa, Rebeka e Rebeca (conversadooooras). Dei tantas risadas verdadeiras com vcs.
Cesar, com o seu inconfundível “belê, fessora??”, foi embora tão cedo...
Gabi Lopes ficou comigo mais de um ano, não sabe o quanto gosto de você. As meninas da frente Rayssa e Mayara, essa última que foi par foi para a tarde, voltou só pq me amava (brincadeirinhaaaa). Letícia Mourato, Marcus (que saiu no meio do ano)... esses quatro muito interessados.
Monik, braba que era ela, aff, toda grossa dando dedo para Deus e o mundo, esqueço não, viu??

No meu 1º A tinha as fofuras Tathi e Michelle (apertadoras mor de bochechas), todas as aulas elas davam uma apertada, faziam peixinho, mandavam eu falar uma frase com a bochecha apertada (que mico, hein??). Carolina Gouveia, que parece uma boneca de porcelana, fica bonita em qualquer foto, muuuuuuuuuuuito fofa. Grazi, essa é meio braba, reclamona, mas eu ammmoooooo de paixão; Camila Machado, sentimental, às vezes no mundo da lua, não sabe como foi bom ter entrado na minha vida...
Duda, que dizia que eu falava muito, já pensou?? Deve ser mal das Eduardas. Demétrius e Rebeca, perguntadores natos, ele vive no mundo da lua, pergunta as coisas e quando a gente vai responder ele já foi pro mundo dele, autista por opção hehehehe na hora da minha prova, acertou todas, até a extra e tirou 11,0, o único aluno que conseguiu essa façanha em toda a minha vida de prof. Já ela fica com aquela cara de “não to entendendo, vou matar a professora”, mas no fundo eu sei que ela sabe.

Não posso deixar de citar Larissa, a idealizadora deste blog nem Marcelly e Rayssa, que viviam para lá e para cá “tia Duda, tia Duda”. Matheus Cavalcante, fez um levante no Praia Limpa e hoje, graças a ele, toda a praia sabe quem eu sou heheheheh. Danilo Victor, passou mais de um ano comigo e até postou sobre mim no blog dele, dizendo que a turma do ano passado não gostava de mim, isso antes de eles me amarem hahahaha
Filipe (não sei se é assim), web designer de plantão, meu segundo Edvaldo nessas coisas de computação (já que essas conversas eu só tenho com os dois). Vanessa: inteligência, beleza e dedicação é com ela mesma. É, minha gente, eu prestava mais atenção em vcs do que vcs podem imaginar.
2010 terminou. Ano que vem, quem sabe, virão outros. Será uma nova jornada, diferente, com certeza. Todos que passam pela nossa vida não passam em vão, sempre deixam um pouco de si e levam um pouco de nós, já dizia o poeta. O ano de 2010 foi de vcs, sucesso, felicidade, amor e uma passagem garantida no vestibular é o que eu desejo. Ano que vem é dureza, mas bola pra frente. E quando precisar, estarei aqui, é só chamar...


1º A


1º B

domingo, 5 de dezembro de 2010

Filosofia da lavagem do chão

A primeira escola em que eu ensinei funciona em um prédio de 1º andar. Nas salas de baixo, acho que funcionavam as turmas dos alunos menores (não me lembro exatamente) e nas salas de cima os maiores. No final da escada, embaixo, há um corredor que vai dar na porta da rua. Antes do portão de saída do prédio, fica à esquerda a sala do diretor e à direita a sala dos professores.
No fatídico dia, desci até o térreo e fiquei parada analisando o meu fracasso. Analisei as aulas que eu tinha dado, as minhas expectativas anteriores a elas, as minhas noites de sono perdidas, o curso que eu estava fazendo, isso tudo numa fração de segundo. Fiquei parada sem saber o meu destino: se eu entrasse à direita, teria mais um dia de choro, mais uma noite sem sono; se entrasse à esquerda, pediria demissão e aceitaria minha derrota.
Entrei na sala dos professores e, enquanto os outros falavam, eu pensava em como encarar o diretor e o que dizer a ele por aquela desistência. Ele era um homem jovem, de uns trinta e poucos anos, porém conhecido pela rigidez e pelo exagero das expressões, parecia que ele estava encenando uma peça.

BREVE LEMBRANÇA DO DIA EM QUE CONHECI O DIRETOR E SUAS NOBRES PALAVRAS:

Três criaturas paradas no corredor do colégio examinando o ambiente: Juliana, Luciano e eu.
- Nós viemos falar com o diretor Fulano de Tal. - disse ao guarda.
- É aquele ali. Aquele com a vassoura na mão.
(Calma, ele não se preparava para voar. Esse é um atributo apenas das bruxas e dos fofíssimos bruxos de Harry Potter, o que ele estava bem longe de ser)
A vassoura ele estava dando a um aluno que tinha brigado. O outro brigão tinha ido buscar a sua na cozinha, eles iam varrer o colégio como castigo.

- Bom dia, diretor, poderíamos falar com o senhor?
- Quem são vocês? Estagiários?
- ... é.
Entramos na sala dele.
- Bom, é o seguinte: o público com que a escola trabalha é bem difícil, algumas escolas da nossa vizinhança só trabalham com uma viatura na porta, mas aqui não, aqui é diferente, enquanto eu estiver sentado nessa cadeira a escola não precisa de viatura para funcionar. Eu dou o sangue por essa escola.
- Nós vimos, achei bem interessante como eles obedecem às suas ordens aqui, vimos o episódio da vassoura e estávamos ali comentando. - interrompe Luciano.
- Pois bem, minha gente, vamos deixar as coisas bem claras. Eu queria dizer que, em primeiro lugar, esses meninos são como meus filhos. Se um professor não serve para meu filho, não serve para minha escola, então é rua. Não me interessa se você tem pai, mão, filho, namorado, papagaio, passarinho, contas a pagar, ficou doente, não quero saber, faltou é rua. Eu gosto de estagiário por isso, porque se faltar é rua. Outra coisa: não toquem nos meninos. Se um menino desses der na senhora e machucar o dedo, professora (dirigindo-se a mim), a senhora vai presa porque o Estatuto acoberta. Aqui tudo passa pela minha organização, sabe por quê? Porque eu não tenho coração, o meu coração eu piquei e coloquei na merenda, ele está nessa escola. Se o professor não serve para a escola, então ele tem que sair.

Naquele dia de desistência, eu - que tenho coração e que, inclusive, estava batendo severamente rápido por ter que tomar uma decisão tão importante - resolvi encarar a fera sem alma. Entrei na sala dele com os livros na mão para apertar e dar coragem:

- Bom dia, Professor Fulano.
- Bom dia.
- Gostaria de falar com o senhor.
- Fale.
- Estou desistindo, queria que o senhor devolvesse a minha carta à central de estágio.
- Mas por quê???
- Não aguento mais, quero ir embora.
- A senhora está nervosa. Vá para casa e repense. Veja, no início é sempre difícil, eu mesmo já estou aqui nesta cadeira há 4 anos e nesta cadeira já fui chamado de filho da ..., via..., mandaram tomar no... e eu continuo sentado aqui, portanto eu acho que a senhora não deve desistir. Imagina a minha dificuldade pra conseguir alguém agora? Eu digo mesmo: se a senhora sair daqui, nunca mais vai achar uma escola que preste, vai ser igual ou pior que esta. Vai desistir da profissão, é?

Eu já estava com os olhos marejados, mas tinha prometido para mim mesma que não ia chorar na frente dele.

- Se for preciso, sim!

Ele não esperava essa resposta. Ficou calado, olhando para a minha cara. Me encarava como se quisesse ver quem iria abaixar a cabeça primeiro. Então falou:

- A senhora está muito nervosa. Vá para casa e pense. Depois a senhora liga para mim e me diz uma resposta.

Saí, peguei o ônibus e desci na parada certa. Era uma mistura de alívio e tristeza com fracasso que tinha tomado conta de mim.
Entrei no supermercado e em um dos corredores havia um rapaz limpando o chão. Minha mente tem vida própria e conversa com a minha consciência o tempo todo. Uma disse para a outra:

- Tá vendo? Veja o trabalho dele. Deve ganhar um salário mínimo, mais do que você ganha com esse estágio e ninguém o incomoda.
- Sim, mas eu sou alérgica a produtos de limpeza, como poderia fazer isso?
- Não é disso que estou falando. Pese o seu trabalho e o dele. Você tem curso superior, estudou tanto, tirou boas notas e foi parar naquele lugar, trabalhando com a voz, gritando para ser ouvida quando o que você diz é mais importante para quem devia ouvir e não para você que fala. Ele limpa, fala piada, ouve música, diz palavrão e não precisa chorar o dia todo.
- hummm...
- Isso não é justo! Não que o trabalho dele não seja digno, mas você poderia estar num lugar melhor, entende?
- Sim. Hoje eu não vou chorar.

Fui para casa decidida. Eu tinha superado o trauma, não ia chorar. Chegando no portão, meu cachorro me sorriu latindo, não coloquei as malas no chão porque não as tinha, mas minha mãe veio abrir a porta. A cara dela era de uma expectativa tão grande que eu comecei a chorar dali mesmo. Desabei. Ela começou a chorar também e disse que isso não era trabalho pra ninguém, que se estava tão ruim assim o melhor era sair mesmo.
Peguei o número da escola e liguei:
- Alô, diretor? Sou eu, Eduarda. Estou ligando pra dizer que desisti mesmo.
- Certo, professora. Adeus.
Tututututututu.......

Desligou na minha cara, mal educado. Não sei se eu pulei de alegria, mas lembro que na mesma hora peguei um monte de atividades que os alunos tinham feito, rasguei e joguei no lixo. Foi importante para a minha alma ter feito isso, era como uma vingança pelo que eles tinham feito. Foi assim que tudo terminou.
Deus fez o mundo em sete dias e em três eu modifiquei o meu.